Short Description
A civilização islâmica conheceu o sistema de hotelaria desde os primórdios do Islam.
A civilização islâmica conheceu o sistema de hotelaria desde os primórdios do Islam. O Alcorão Sagrado indicou que é permitida a entrada em lugares públicos – dentre eles, os hotéis - como um sinal do realismo e do socialismo do Islam. Allah (exaltado seja) disse [não há culpa sobre vós, em entrardes em casas não habitadas, em que há proveito para vós] (Annur 29). Al Imam Al Tabari comentou sobre este versículo dizendo Vocês não estarão a cometer um erro se entrarem em uma casa que não tem habitante sem permissão. Em seguida, há divergência sobre que casas são as citadas Alguns disseram Significa os hotéis e casas construídas no caminho, que não têm habitantes definidos, mas foram construídas para os viajantes para habitarem nestes locais e guardar suas bagagens.[1].
É interessante considerar que a criação desses hotéis desde o início desta civilização, destaca o alto nível da civilização islâmica e a sua preocupação com as condições dos viajantes e estrangeiros. E sendo que ibn al sabil (o viajante) faz parte dos fundos do zakat, o sistema administrativo islâmico procurou proporcionar o necessário ao viajante entre alimentos, bebidas e alojamento.Desta maneira, as pousadas e hotéis foram concebidos pela lei islâmica, e tornaram-se uma magnífica aplicação com a qual a civilização islâmica se destacou em sua longa história.
As pousadas se espalharam ao longo das rotas de comércio entre as cidades islâmicas, e a maioria dos seus freqüentadores eram comerciantes e estudantes. Estas casas ofereciam a hospitalidade de comida e bebida de graça aos pobres, necessitados e viajantes. A partir daí, estas pousadas que surgiram e ofereciam alimento gratuitamente foram denominadas “dar al dhiafah” (casa da hospitalidade).[2]
Estas pousadas eram consideradas verdadeiros abrigos preparados pelo Estado ou por filantropos para os viajantes, onde se protegiam do calor do verão e do frio de inverno. Saadan ibn Iazid - um dos sábios do terceiro século islâmico- narra que ele recorreu a uma das pousadas em uma noite chuvosa, repleta de trovões e relâmpagos em 262 dH, e encontrou a pousada totalmente lotada por causa do frio extremo[3].
Estes lugares eram preparados para que os estudantes estudassem, sem ruídos ou barulho. Ibn Ássakir menciona que Abu Amr Al-Saghir disse Descemos em uma pousada em Damasco, perto do palácio, e rezamos a oração do ássr. Nós queríamos chegar cedo ao encontro de Ahmad ibn Umair, porém, o recepcionista do hotel veio correndo e perguntou Onde está Abu Ali, o Hafidh Eu disse Aqui. Ele disse ..O sheikh veio como visitante. Eu sai e vi o sheikh montado em uma mula, ele desceu da montaria, e subiu ao quarto em que estávamos hospedados. Ele cumprimentou Abu Ali, o recepcionou e mostrou alegria com sua chegada, e começou a estudar até perto do anoitecer, e depois disse Ó Abu Ali, você recolheu os hadith de Abdullah ibn Dinar Abu Ali disse Sim. Ele disse Dei-me. Abu Ali deu-lhe e ele levou-o e colocou-o em sua mão, se levantou e partiu.[4]
A presença de hotéis como esse era um fator de auxílio para estudantes para viajarem para qualquer parte do Estado Islâmico. Al Zhahabi citou que o grande sábio da Andalusia Baqi ibn Mukhallad - que Deus tenha misericórdia dele - chegou a Bagdá para aprender o hadith com o Imam Ahmad ibn Hanbal - que Deus tenha misericórdia dele – que estava preso. Logo após a sua libertação da prisão (depois da provação sobre a questão da criação do Alcorão), e quando percebeu que iria permanecer por um longo tempo em Bagdá, ele alugou um quarto num hotel. Ele se dirigia até o Imam Ahmad - que Allah tenha misericórdia dele - todos os dias fingindo ser um homem pobre, aprendia um ou dois hadith, e retornava ao seu quarto no hotel. Permaneceu assim até que foi permitido a Ahmad ibn Hanbal dar aulas em público![5]
O assunto hoteleiro se desenvolveu na civilização islâmica, de modo que seus hóspedes não se resumiram apenas aos comerciantes e estudantes. Alguns califas se hospedavam nesses hotés durante suas viagens. O califa abássida Al Mutadid se hospedou no hotel Al Hussein, perto da cidade de Iskenderun (atualmente na Turquia) no ano 287 dH, durante sua inspeção às condições das fronteiras e das cidades da região da Síria[6].
Muitos califas trabalharam para a construcao destes hotéis, pois eles eram ligados à administração Estado. Havia gastos destinados aos viajantes, pobres e estudantes. O califa al-Mustansir (falecido em 640 dH) ficou conhecido por construir estes hotéis que abrigavam os pobres e os vianjantes[7].
Outro personagem que ficou conhecido por construir hotéis gratuitos é o emir Nur al-Din Mahmud. Abu Shama relatou em seu livro “Al-Raudhatain” que Ibn Al-Athir disse que Nur al-Din Mahmud “construiu as pousadas nas estradas e, assim, as pessoas ganharam segurança, os seus bens foram preservados e ganharam abrigo do frio e da chuva no inverno.[8]
Também chama a atenção que algumas mulheres se preocuparam com a construção de hotéis e pousadas, almejando ganhar a recompensa de Allah (exaltado seja). Ísmat Al-Din bint Muín Al-Din Anr (falecida em 581 dH), esposa de Salahuddin, construiu o “hotel Ísmat Al-Din” na cidade de Damasco[9]. E outra mulher – cujo nome, Ibn Ássakir não citou – construiu o “hotel Ibn Al-Ánnazah” em Damasco também[10].
E os hotéis não estavam centralizados apenas nas capitais das principais regiões, mas foram encontrados em muitas aldeias e regiões distantes. Um pintor francês chamado Simon contou o número de hotéis na cidade de Isfahan – quando a visitou em 1084 dH - e totalizou 1.600 hotéis[11].
Algumas destas pousadas tinham uma seção especial para guardar objetos e dinheiro, como um banco no nosso tempo. Os responsáveis por estes depósitos eram homens e mulheres, e só eram autorizados a devolve-los aos seus respectivos donos. Isto foi mencionado por Ibn al Jawzi - que Deus tenha misericórdia dele - nos incidentes do ano 571 dH Um comerciante vendeu algo que possuía por mil dinares, e enviou o dinheiro a Khan Al-Anbar (em Bagdá). Chegou até sua casa, só havia com ele na casa um servo negro que ele tinha comprado alguns dias antes. O servo levantou de noite e o bateu com uma faca em seu coração, pegou a chave e foi para Khan Al-Anbar. Ao bateu na porta, a recepcionista perguntou Quem é você Ele respondeu Eu sou o garoto de fulano, enviou-me para levar algo da pousada para ele. Ela disse Juro por Deus, que eu não abro para ti até que o seu senhor compareça. Então, ele voltou para pegar o que havia na casa, mas encontrou o guarda da região, que ouviu o grito do homem quando foi golpeado com a faca. Este pegou o garoto, e seu senhor sobreviveu dois dias e recomendou que o garoto fosse morto depois dele[12].
Algumas dessas pousadas (Khan) também eram equipadas com cozinhas, e seus proprietários selecionavam os melhores cozinheiros que eram contratados com salários definidos, a cozinha fornecia a todos os viajantes que se hospedavam no khan, sejam eles muçulmanos ou não muçulmanos, livres ou escravos, três onças de pão (o equivalente a um quilo de pão), 250 gramas de carne cozida e um prato de comida, entre outros alimentos. Há uma refência no documento do uaqf do Khan Kara Tai (na era dos seljúcidas) deve ser fornecido a cada hóspede ou pedinte no khan mencionado, sejam eles muçulmanos ou não muçulmano, homem ou mulher, livre ou escravo, três uqiyahs (onça) de pão bom, cada uqiyah equivalente a cem dirhams, uma bacia de comida, com uma onça de carne cozida[13].
Observamos no texto do documento citado anteriormente, que a civilização islâmica zelava em aplicar a igualdade, tanto nos direitos como nos deveres, sem diferenciar entre muçulmanos e outros, entre livres e escravos, bem como entre homens e mulheres. A cozinha também oferecia doce de mel toda noite de sexta-feira, para todos os passageiros de forma igual. No documento de Kara Tai consta No khan mencionado haverá em cada noite de sexta-feira doce de mel e deve ser distribuído para os hóspedes e visitantes sem privilégio[14].
Algumas cidades da Andaluzia ficaram famosas com seus vários e movimentados hotéis. Al Himiari afirmou em seu livro sifat jazirat al Andalus (Descrição da Ilha da Andaluzia) que a cidade de Almeria tinha novecentos e setenta hotéis[15]. O alto número de hotéis é uma prova do grande número de visitantes desta antiga cidade.
A difusão destes hotéis na Andalusia ocorreu de forma ampla desde a época da dinastia Omíada, porém alguns deles se desviavam da moral pública, e alguns emires procuraram fechá-los por causa da desordem moral que causavam na sociedade. No ano 206 dH Al Hakam ibn Hisham mandou demolir o hotel que se situava em Rabadh, seu receptivo era uma pessoa corrupta e libertinosa, então foi demolido[16]. Não há dúvida de que tais atos que ocorriam em alguns hotéis antigamente, são exatamente o que vemos ou ouvimos falar em muitos dos nossos hotéis modernos, mas há uma grande diferença entre os dois casos, porque os califas e emires agiam contra esses males com firmeza e força, punindo estes hotéis com punições rígidas e os demolindo. Porém, o caso dos hotéis desta época é totalmente o contrário disso!
Alguns sultões também chegaram a construir muitos hotéis e estabelecê-los como uaqf para os pobres, necessitados e viajantes. O sultão da dinastia Marinida no Marrocos, Abu Ya'qub Yusuf Al Marini (falecido em 706 dH) concordou em reformar o hotel “Al Chamma’in”, na cidade de Fez, depois de ter se deteriorado, e o estabeleceu como moradia exclusiva para os visitantes da Grande Mesquita da cidade[17].
As pousadas e hotéis também se espalharam de maneira ampla na era dos mamelucos, mas a nova adição feita por este Estado no curso da civilização islâmica foi a criação de hotéis especiais para as pequenas comunidades existentes no Egito e na Síria, que eram comerciantes e viajantes ocidentais. Al Maqrizi citou que os cipriotas que atacaram a cidade de Alexandria em 783 dH, queimaram muitas casas, lojas e hotéis e disse Os desgraçados queimaram o hotel de Al kitlaniyn, o hotel al junuiyn, o hotel al mauzah e o hotel de al musiliyn[18]. Estes hotéis mencionados por Al Maqrizi eram exclusivamente para os comerciantes europeus e italianos, tais como os comerciantes da cidade italiana de Gênova, o que demonstra a preocupação da civilização islâmica com os não-muçulmanos e com os comerciantes europeus na época medieval.
O Estado ainda se preocupou em fazer um hotel exclusivo para os profissionais de uma determinada área. Havia um hotel para os comerciantes sírios de óleo, que era o hotel Tarantai, na cidade do Cairo[19].
A presença de hotéis e pousadas desde o início da história da civilização islâmica demonstra a importância da dimensão social que é observada por essa civilização em todas as suas aplicações, materiais e morais. Ainda mais, esta civilização acrescentou uma outra dimensão solidária, jamais conhecida por qualquer outra civilização, ao tornar muitos desses hotéis e pousadas disponíveis gratuitamente para todos as classes sociais e humanitárias. A pessoa permanecia nesse hotel quanto Deus quisesse que ele ficasse, sem ser perturbado por ninguém na tranqüilidade de sua vida e sem ser incomodado em sua missão, seja ele um comerciante, um estudante ou um viajante ... e não há dúvida de que essa imagem incrível da história da civilização islâmica nos confirma, repetidamente, a grandeza da proposta humanitária oferecida por esta civilização eterna!
Após esta coletânea rápida de uma série dos mais grandiosos sistemas islâmicos, sentimos que há um valor que se firmou em nossa consciência através das páginas desta seção, esta é a humanidade desta civilização, que se construiu sobre um pilar do qual jamais irá se desligar, o pilar da ética derivada de uma fonte divina que é inesgotável para sempre. Por isso, encontramos a impressão moral que tem caracterizado a civilização islâmica clara em todas as suas instituições, a ponto desses valores culturais islâmicos se tornarem um farol que ilumina sobre todo o mundo.
[1] Al-Tabari Jami’ Al Baian fi Ta’uil Al Qur’an 19151.
[2] Fuad Yahya Jard Athari likhanat Dimashq (um inventário arqueológico dos hotéis de Damasco), p 69.
[3] Ibn al Jawzi Al Muntadham 5 39.
[4] Ibn Ássakir A História de Damasco 5 115.
[5] Al Zhahabi Siar A’alam Al Nubala 13293.
[6] Ibn Kathir O início e o fim 5 635.
[7] Idem 13186.
[8] Abu Shama Al-Raudhatain p 12.
[9] Ibn Al Imad al-Hanbali Shuzhurat Al Zhahab 4 319.
[10] Ibn Ássakir A História de Damasco, 2 320.
[11] Will Durant História da Civilização 24498.
[12] Ibn al Jawzi Al Muntadham 10265.
[13] Fahim Fathi Ibrahim Khan na civilização árabe islâmica, no link
httpwww.arabicmagazine.comArtDetails.aspxid56.
[14] Veja o texto do documento do khan de Kara Tai sobre Turan (Osman), Celâleddin Karatay, Vkiflari ve Vakfiyeleri, Belleten, Cilt XII, Sayi 45, 46, 47, 48, Türk Tarih Kurumu Basimevi, Ankara, 1948, p 95-96.
[15] Al Himiari Descrição da Ilha da Andalusia, p 64.
[16] Ibn Adara Al Baian Al Mughrib 1 173.
[17] Al Maqarri Nafh Al Tib 5 265.
[18] Al Maqrizi Al Suluk (O comportamento) 5 114.
[19] Idem 3 44.
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